Após o sucesso sensível de “Past Lives”, Celine Song surpreende com uma guinada ácida em “Amores Materialistas”, uma comédia romântica que transforma o gênero em bisturi para dissecar as transações afetivas da elite nova-iorquina. Dakota Johnson, em performance cínica e vulnerável, interpreta Lucy, uma matchmaker de alto padrão cuja expertise em unir riqueza e “traços compatíveis” desmorona quando confrontada com seu próprio dilema: Pedro Pascal como Harry, o “unicórnio” bilionário com penthouse em Tribeca (US$12 milhões), versus Chris Evans como John, o ex-namorado ator que personifica a precariedade criativa.
Song, baseando-se em experiência real como consultora de relacionamentos, expõe a engrenagem brutal do dating de luxo. Diálogos cortantes revelam o léxico desumanizante (“ativos”, “não-negociáveis”) e padrões absurdos: obsessão por altura acima de 1,85m, renda “superior à mediana”, e o pânico de homens quarentões frente a mulheres “complicadas” após os 30. As cenas de entrevistas com clientes – montagens hilárias e trágicas – ecoam a futilidade dos apps em escala premium, enquanto Zoë Winters (“Succession”) protagoniza um subplot cru sobre cirurgias caríssimas que expõe a tirania da perfeição física.
A escrita afiada de Song eleva constatações sórdidas à poesia ácida. Lucy é um paradoxo ambulante: vende contos de fadas enquanto racionaliza escolhas (“É matemática, não magia”), encapsulando a esquizofrenia de quem odeia o sistema que a enriquece. Evans entrega sua performance mais crua em anos, mostrando a dignidade ferida de quem é julgado pela conta bancária. Visualmente, Shabier Kirchner (fotografia) e Katina Danabassis (figurinos) tecem um mundo de luxo discreto que amplifica o contraste com as angústias expostas.
Ainda assim, o filme padece de uma química deficitária entre Johnson e Pascal – crucial para validar o mito do “unicórnio”. A frieza calculada de Lucy não se funde ao charme estudado de Harry, enfraquecendo parte do dilema central. Oscilações de ritmo no segundo ato, embora compensadas pela raw power de Winters, revelam a complexidade da empreitada: fundir influências de Jane Austen e Eric Rohmer com uma crítica social mordaz ao capitalismo tardio.
“Amores Materialistas” transcende o rom-com ao questionar se o “felizes para sempre” é possível quando o mercado dita as regras. O final engenhoso – com seu bookend visual inteligente – rejeita soluções fáceis, sugerindo que o amor real pode residir na aceitação das imperfeições sistêmicas. A sequência de estrada com Evans e Johnson, filmada na luz cambiante do crepúsculo por Kirchner, sintetiza a melancolia do filme: um luto pelas escolhas que o pragmatismo nos impõe.
Avaliação: 4,5 estrelas de 5. Imperfeito? Sim. Mas sua coragem em expor as vísceras do amor-transação, a direção segura de Song e as performances de destaque (Johnson e Evans) fazem desta uma reflexão ácida e necessária sobre o afeto no século XXI. Um manifesto contra a romantização do consumo afetivo.