Guillermo del Toro sonhava há décadas com uma adaptação do clássico gótico de Mary Shelley. Olhando para sua filmografia, repleta de monstros, esmero estético e a capacidade de extrair beleza da monstruosidade, “Frankenstein” parece ser o filme que ele nasceu para fazer. Finalmente realizado com o financiamento da Netflix, o projeto dos sonhos do diretor mexicano é um cuidadoso e muito bem construído longa-metragem que sabe respeitar o material fonte, mas que, em sua reverência e escala, acaba soando um tanto morno e comum perante outras obras-primas do cineasta.
Del Toro reúne um elenco estelar para sua tragédia. Oscar Isaac interpreta Victor Frankenstein, o cientista que desafia a morte ao criar um ser a partir de restos de corpos, enquanto Mia Goth vive Elizabeth, a paixão de Victor e de sua Criatura. Christoph Waltz, David Bradley e Lars Mikkelsen completam o time. Porém, a responsabilidade da história recai completamente sobre os protagonistas. Isaac entrega uma atuação afetada, uma mistura de Steven Tyler com cientista louco, que funciona, principalmente após a chegada da Criatura.
E é aí que entra o maior trunfo do filme. Jacob Elordi, em uma maquiagem que lembra os Engenheiros de “Prometheus”, está fantástico como o monstro que busca um sentido em sua criação. Del Toro é muito inteligente em dar mais atenção aos sentimentos da Criatura e aproveitar o talento do ator para focar ainda mais nas nuances do personagem. Elordi transita perfeitamente entre o melancólico e o solitário, mas que impõe força e medo quando precisa, roubando todas as cenas em que aparece.

A grande sacada narrativa de Del Toro, e o que faz de sua versão talvez a mais fiel em espírito ao romance, é seu foco inequívoco na tragédia. Seu grande trunfo é retornar ao que o romance na verdade é: não um filme de horror, mas sim uma tragédia sobre as consequências do Homem brincar de Deus. O diretor vai além, pois Victor, egocêntrico e irresponsável, mais do que brincar de Deus, acaba rejeitando sua criação imperfeita. Em momento algum a Criatura é um monstro. O roteiro inequivocamente absolve aquele que é a vítima clara da insensibilidade de seu criador, empurrando toda a monstruosidade para a Humanidade, seja ela representada por Victor, por seu pai ou por Henrich (Waltz).
Tecnicamente, o filme é um deslumbre visual, como era de se esperar. Com cenários práticos de fazer o queixo cair – especialmente os vários níveis da torre laboratório de Victor – e um design de criatura inesquecível, que reúne o grotesco com o belo, Del Toro defenestra a computação gráfica quase que por completo, focando todo o orçamento em efeitos práticos que são imediatamente capazes de envelopar o espectador na atmosfera gótica de sua obra. A trilha sonora de Alexander Desplat é mais um acerto, linda e comovente.
No entanto, a obra não está imune a críticas. A trama do monstro de Frankenstein já foi contada inúmeras vezes, e pouco sobra para alguma novidade. Del Toro aposta suas fichas em elementos que nem todos funcionam bem. Mia Goth e Christoph Waltz, por exemplo, seguem repetindo seus trabalhos prévios, com o ator não conseguindo fugir dos cacoetes que o fizeram ganhar dois Oscars com Tarantino. É curioso notar que, justamente quando a trama atinge seu ponto mais interessante, focado no perdão e na sensibilidade, o filme derrapa no uso de CGI, com criações estranhíssimas de animais.

“Frankenstein” está longe de ser um filme ruim, e é inegavelmente a adaptação mais ambiciosa e majestosa do romance já feita para o cinema em termos de escopo e visão. A sensibilidade do diretor brilha na forma como ele constrói a dor de sua Criatura, condenada à vida eterna e à marginalização. No entanto, falta a esse filme a sensibilidade aguçada de “O Labirinto do Fauno”, a reinvenção magistral de “Pinóquio” ou o romance singular de “A Forma da Água”. Como no dito popular, talvez Guillermo Del Toro erre ao amar demais a obra, ficando preso à missão de tentar provar a escala de seu conto.
O veredito final é de um monstruoso triunfo gótico de visão única que espanta, assombra, encanta e enternece, mas que, na sombra de sua própria grandiosidade e da filmografia de seu criador, acaba por ser um espetáculo belíssimo, porém morno. É a materialização de um sonho, mas um sonho que já conhecíamos, agora vestido com a roupagem mais luxuosa e sentimental possível.










