Quase três décadas após o marco revolucionário de “Jurassic Park”, a saga retorna com Jurassic World: Recomeço, sétimo capítulo cinematográfico que tenta revitalizar uma fórmula visivelmente esgotada. Sob a direção de Gareth Edwards (“Godzilla”), o filme oscila entre homenagens competentes ao material original e uma inegável fadiga criativa, resultando numa aventura visualmente impactante, mas prisioneira de seu próprio DNA genético.
A cena inaugural sintetiza o dilema da produção: um brontossauro enfermo paralisa o trânsito de Nova York enquanto Martin Krebs (Rupert Friend), executivo farmacêutico de moral duvidosa, desabafa: “Morra ou viva, só saia logo da frente!”. Essa impaciência metaforiza o relacionamento conturbado entre público e franquia. Krebs recruta a especialista Zara Bennett (Scarlett Johansson) para uma missão de alto risco: extrair DNA de dinossauros remanescentes – sobreviventes que migraram para zonas tropicais após falharem na adaptação climática global. O pretexto medicinal serve de âncora para reencontrar criaturas pré-históricas através de um trio protagonista: Zara (líder pragmática com passado militar), Dr. Henry Loomis (Jonathan Bailey como paleontólogo idealista, herdeiro intelectual de Alan Grant) e Duncan Kincaid (Mahershala Ali como contrabandista carismático, infelizmente subaproveitado).
Edwards demonstra toda sua expertise em sequências envolvendo monstros gigantes, aplicando lições visuais de “Godzilla”. Seus dinossauros emergem de névoas densas, sombras noturnas e águas turvas com impacto visceral genuíno. O encontro subaquático com o Mosassauro e os ataques aéreos de Pterodátilos figuram entre os momentos mais inventivos da saga pós-anos 90, recuperando parte da aura de perigo que marcou o original. Contudo, o roteiro de David Koepp (mesmo roteirista do clássico de 1993) tropeça em conveniências narrativas difíceis de engolir. A família Delgado – náufragos liderados por Reuben (Manuel Garcia-Rulfo) – existe claramente para cumprir três funções mecânicas: fornecer alvos vulneráveis para ataques de criaturas, introduzir uma criança para apego emocional (e futura linha de brinquedos) e ampliar artificialmente o leque de vítimas potenciais.
Surge então o paradoxo criativo central: a introdução de mutantes como o Dementus Rex (híbrido bizarro de T-Rex, Xenomorfo e Rancor) tenta injetar novidade, mas revela-se sintomática da crise de originalidade. A força seminal da franquia sempre residiu na tangibilidade científica – a plausibilidade assustadora da engenharia genética recriando o passado. “Recomeço” distancia-se desse cerne ao abraçar premissas cada vez mais fantásticas e desconectadas da essência spielberguiana. O elenco principal consegue sustentar a produção com química palpável: Johansson equilibra pragmatismo e vulnerabilidade com maestria, Bailey irradia entusiasmo acadêmico contagioso, e Ali empresta carisma magnético mesmo com material narrativo limitado. Porém, vilões estereotipados e arcos previsíveis minam sistematicamente qualquer tensão real – sabemos quais personagens são intocáveis desde seus primeiros quadros.
Tecnicamente, Edwards resgata a estética do terror abandonada nos filmes intermediários, usando ambientes claustrofóbicos e revelas graduais com maestria. Sua abordagem difere radicalmente da direção mecânica de Colin Trevorrow em capítulos anteriores. A fotografia em ambientes úmidos e noturnos cria atmosferas opressivas eficazes, enquanto a trilha sonora de Michael Giacchino tece referências inteligentes aos temas icônicos de John Williams. A mistura de efeitos práticos com CGI também confere textura orgânica às criaturas, especialmente nos planos mais próximos.
Veredito Final para Fãs e Críticos: “Jurassic World: Recomeço” não é o desastre que alguns antecipavam, mas tampouco cumpre a promessa de renascimento implícita no título. Funciona como experiência cinematográfica descartável – competente em ação, carismática no elenco e impressionante em momentos pontuais de horror pré-histórico. Porém, sua dependência excessiva de fórmulas desgastadas, premissas forçadas e falta de coragem narrativa confirmam o diagnóstico da cena inicial: a franquia tornou-se como o brontossauro no cruzamento – um espetáculo que ainda atrai olhares, mas que todos desejam que saia de cena antes que o congestionamento criativo se torne irreversível. Para espectadores casuais em busca de entretenimento simples, pode valer o ingresso. Para quem esperava uma verdadeira revitalização após o esgotamento de “Domínio”, o sabor amargo do déjà vu predominará.