Em “Meus 84 m²” (ou “Wall to Wall”), novo thriller da Netflix, o diretor Kim Tae-joon mergulha nas angústias do capitalismo moderno através da crise habitacional. Dois anos após “Na Palma da Mão”, o cineasta retorna com uma narrativa dividida que expõe o lado sombrio do sonho da casa própria, especialmente em Seul. Kang Ha-neul (“Gostinho de Amor”, “Round 6”) estrela como Woo-seong, um jovem esmagado por dívidas após comprar um apartamento minúsculo.
A primeira metade do filme funciona como um drama social contundente. Woo-seong vive uma rotina de desespero: trabalha em dois empregos, rouba comida do escritório e economiza até na luz e no ar-condicionado. Sua vida vira um inferno graças a um vizinho barulhento e anônimo, enquanto uma proposta arriscada de investimento em criptomoedas o empurra para o abismo financeiro. Kim Tae-joon constrói com eficiência a teia de pressões econômicas e psicológicas que aprisionam o protagonista.
Na marca dos 50 minutos, porém, o filme sofre uma virada tonal radical, transformando-se num thriller de perseguição e violência. A direção ganha energia com jogos de luz e sombra, criando sequências tensas dentro do cenário claustrofóbico do prédio. Enquanto a trama se volta para um jogo de gato e rato, o filme explora as entranhas podres do mercado imobiliário e as divisões de classe.
Kang Ha-neul rouba a cena com uma atuação complexa. Ele humaniza Woo-seong, tornando-o ao mesmo tempo amável e irritante – um “cada um” vítima do sistema. Sua interpretação captura a paranoia e o desespero com nuances que sustentam o filme mesmo quando a trama vacila. Yeom Hye-ran também se destaque em um papel secundário, embora o filme falhe no teste de Bechdel, relegando personagens femininas a funções limitadas.
Apesar da premissa relevante – a crise habitacional global e a falácia da propriedade como felicidade – e da fotografia que usa cores frias para enfatizar a frieza da vida de Woo-seong (contrastando com os ambientes ricos e quentes), “Meus 84 m²” sofre com uma execução desconexa. A justaposição abrupta entre drama social e suspense violento prejudica o ritmo e a coesão narrativa. Os twists do terceiro ato, embora tecnicamente bem filmados, carecem de impacto devido ao desenvolvimento irregular.
Veredito Final: “Meus 84 m²” é uma crítica social ambiciosa que vale principalmente pela atuação magistral de Kang Ha-neul e por momentos genuinamente tensos na segunda metade. Porém, sua estrutura dividida e uma conclusão que não atinge todo o potencial deixam a sensação de um thriller poderoso interrompido por um competente, mas menos envolvente, drama econômico. Imperdível para fãs do ator e do cinema coreano que aborda tensões contemporâneas com suspense.