Entre todos os equívocos narrativos que marcaram a trajetória de Stranger Things, a transformação do Mind Flayer se destaca como o mais significativo. Originalmente, a entidade era uma força cósmica e incorpórea, uma presença ancestral e inescrutável que observava Hawkins a partir das sombras do Mundo Invertido. Sua natureza era puro horror lovecraftiano: uma ameaça maior, mais antiga e fundamentalmente incompreensível, personificando um mal que não precisava de explicações ou motivações humanizadas. Essa era a essência que casava perfeitamente com a colagem de referências que fez o sucesso da série, misturando ficção científica à Spielberg, o suspense de Stephen King e o terror cósmico de H.P. Lovecraft.
Contudo, a narrativa optou progressivamente por abandonar essa riqueza conceitual em favor de uma escrita facilitada e “marvelizada”. Nesta fórmula, tudo deve ser explicitamente explicado. O vilão precisa ganhar um rosto, proferir discursos com voz grave e detalhar suas motivações para o público. Assim, o Mind Flayer, originalmente uma força cósmica e impessoal, foi reduzido a um instrumento de um vilão genérico, um Vecna que tenta assumir o papel de um Darth Vader ou Thanos dentro do universo de Stranger Things. A troca revela uma preferência por criar uma cópia de vilões Disney, por ser mais cômodo do que sustentar um terror que reside justamente no que não se explica.
Esta tendência não reflete uma impossibilidade de o público compreender o horror lovecraftiano, mas sim uma indústria cultural onde tudo deve ser “marvelizado”, digerido e transformado em produto mercadológico, como um Funko Pop. O horror que não se explica resiste a essa lógica. No final, percebe-se que os Irmãos Duffer, impulsionados pelo sucesso comercial garantido, diluíram sua própria fórmula original em um prompt genérico de blockbuster. Eles agiram como um algoritmo, descartando o potencial único e assustador que a série demonstrava em sua origem, priorizando uma narrativa segura e previsível em detrimento da criatividade e da atmosfera que primeiro cativaram o mundo.









