Desde que teve a ideia de fazer uma cinebiografia sobre Mauricio de Sousa, o cineasta Pedro Vasconcelos já tinha um objetivo em mente: homenagear um dos maiores cartunistas brasileiros ainda em vida. Com a bênção e o apoio intenso do desenhista e toda a sua equipe, o projeto culmina em um filme que não surpreende, mas ainda consegue emocionar, idealizando a vida de seu protagonista e criando um mundo tão lúdico que pode até ser comparado com Walt Disney e sua magia.
É importante saber disso de antemão para não cair na armadilha de criar expectativas para uma grande revelação nos bastidores. Mauricio de Sousa – O Filme parece mais interessado em cultivar a aura positiva do que em explorar a complexidade do homem por trás dos quadrinhos. Este é um filme tão marcado pela positividade e o otimismo que, até quando o protagonista chora, ele o faz sorrindo. As dificuldades do protagonista são importantes, mas nunca são retratadas como grandes o suficiente para tirar o ar positivo da história.
E é justamente na criação de momentos mágicos que o longa de Vasconcelos mais cativa. É impossível não se emocionar quando Mauricio de Sousa desenha a Mônica pela primeira vez. O mesmo vale para suas inspirações para Cebolinha, Magali e Cascão. Tem algo de verdadeiramente mágico em poder observar a criação desses personagens que já estão tão marcados no imaginário brasileiro. No entanto, essa abordagem adotada pelo filme acaba evidenciando seu maior problema. A narrativa caminha com extrema cautela, como se pisasse em ovos, ao tentar representar uma figura tão importante.
Essa “cinebiografia publicitária” retrata o biografado quase exclusivamente sob a ótica de um gênio carismático que conquistou tudo com base na força de vontade. A abordagem é tão higienizada que ignora completamente os aspectos mais controversos de sua trajetória profissional, justamente os que poderiam tornar a narrativa mais envolvente e revelar um lado mais humano. É o mesmo tipo de narrativa vista em Bohemian Rhapsody, quando Freddie Mercury acorda e, do nada, tem a ideia completa da música título. Aqui, vemos Mauricio tendo epifanias que brotam inteiras a partir de lembranças da infância, como ouvir uma criança falando exatamente como o futuro Cebolinha ou imaginar toda a Turma do Penadinho só porque viu alguém se cobrir com um lençol. É ingênuo acreditar que séries como Os Monstros ou A Família Addams, populares na infância do autor, não tenham exercido nenhuma influência.

Um dos aspectos mais discutíveis da produção é a escolha de Mauro Sousa, filho do biografado, para interpretar o pai. À primeira vista, a decisão parece fazer sentido pela evidente semelhança física. No entanto, Mauro não só é um ator que precisa restringir sua interpretação ao que foi aceito por um “comitê de qualidade”, como também tem a desvantagem de não possuir uma experiência maior com dramas cinematográficos, o que o limita a ser exatamente a figura sorridente e sem muita personalidade que o roteiro exige. Inicialmente, pode ser difícil se acostumar com ele caracterizado como um menino de 18 anos, mas, conforme o tempo passa, o ator vai se encaixando ainda mais no personagem.
Por sorte, o filme conta com um elenco de apoio que consegue ser melhor aproveitado. Thati Lopes, interpretando a primeira esposa de Mauricio, Marilene, serve como um alívio cômico com várias falas engraçadas e tão bem entregues que parecem ter sido improvisadas. O mesmo acontece com Diego Laumar, o ator mirim e o craque do jogo, que interpreta Maurício na infância. Desta vez, um intérprete que consegue passar a ideia de alguém carismático e sonhador sem parecer que está em um comercial de margarina.
Muito do que compromete o filme vem da direção de Pedro Vasconcelos e Rafael Salgado, que constroem a narrativa inteiramente em torno das limitações impostas pelo enredo. Essa abordagem parece ter influenciado também a estética repetitiva do longa, marcada por planos médios recorrentes e inúmeros closes no rosto de Mauro de Sousa sorrindo após ter uma ideia genial.
Em meio a uma câmera parada a cada frame (como se realmente fosse um quadrinho) e inserções de ilustrações para deixar as cenas mais divertidas, Mauricio de Sousa – O Filme entrega justamente a homenagem que prometeu. No entanto, escolher abrir mão da autonomia criativa para agradar o biografado e confortar um público nostálgico é uma decisão que limita o potencial da obra. Incluir temas mais complexos, como o fato de ter passado boa parte da carreira sem creditar os roteiristas e desenhistas de seu estúdio, ou suas estratégias durante o período de censura, não seria difamação, mas sim o reconhecimento da complexidade de uma trajetória ímpar.
Veredito Final: Mauricio de Sousa – O Filme é um longa bem produzido que cumpre sua função central de homenagear e emocionar ao mostrar o nascimento de ícones nacionais. No entanto, sua escolha por uma narrativa segura, edulcorada e desprovida de conflitos reais o transforma mais em uma peça de marketing afetivo do que em uma cinebiografia reveladora e profundamente humana. É um filme para quem quer rever a magia da criação com um sorriso, não para quem espera entender as nuances do gênio por trás do império.
Mauricio de Sousa: O Filme – Brasil, 2025
Direção: Pedro Vasconcelos, Rafael Salgado
Roteiro: Pedro Vasconcelos, Paulo Cursino
Elenco: Mauro de Sousa, Diego Laumar, Thati Lopes, Emílio Orciollo Netto, Natalia Lage, Elizabeth Savala
Duração: 95 min.









