Após uma terceira temporada marcada por experimentações arriscadas e uma narrativa fragmentada que dividiu opiniões, “O Urso” retorna com sua quarta temporada em um claro movimento de correção de rota. Esta nova leva de episódios funciona como um poderoso “feijão com arroz” narrativo – uma volta reconfortante e necessária aos elementos que alçaram a série ao status de fenômeno: o caos controlado da cozinha do The Bear, o peso visceral das relações humanas e a busca angustiante por significado sob pressão extrema. Se a temporada anterior parecia perdida em suas próprias ambições formais, a quarta coloca os personagens e suas intrincadas dinâmicas firmemente no centro, entregando uma experiência mais coesa, emocionalmente gratificante e alinhada com o coração da série.
O restaurante The Bear permanece pendurado por um fio, tanto financeiramente quanto emocionalmente. A resposta à crítica morna do “Chicago Tribune” serve como catalisador para Carmy (Jeremy Allen White, em atuação soberba e profundamente angustiada), forçando-o a confrontar sua relação doentia com a cozinha: é amor pelo ofício ou vício no caos? Essa pergunta fundamental – o que ainda vale a pena, o que realmente importa? – ecoa como o coração pulsante da temporada. Christopher Storer e Joanna Calo retomam as rédeas com uma sutileza que havia se dissipado, reintroduzindo um senso de urgência palpável através de um cronômetro literal na cozinha: a equipe tem prazo para conquistar uma cobiçada estrela Michelin ou enfrentar o fracasso quando o apoio financeiro do Tio Jimmy cessar.
A temporada opera sob a filosofia do “menos é mais”. As experimentações formais gratuitas da terceira temporada dão lugar a uma narrativa mais focada. Participações de chefs famosos, antes onipresentes, são agora breves e pontuais. A presença excessiva dos irmãos Fak é sensivelmente reduzida, permitindo que sua comédia, quando aparece (e com um convidado especial Fak que realmente atua desta vez), funcione com mais eficácia. O frenesi visual característico – edição nervosa, closes sufocantes – e a trilha sonora matadora (que estreia com Led Zeppelin e transita com maestria por décadas e gêneros) permanecem, mas agora estão inequivocamente a serviço da história e das emoções dos personagens.
A força da temporada reside, inegavelmente, na química e nas atuações excepcionais do elenco principal. Jeremy Allen White transmite a dor, a dúvida e a frágil esperança de Carmy com uma intensidade que exala de olhares e gestos contidos, culminando em uma cena devastadora ao lado de Jamie Lee Curtis, retornando como sua mãe tóxica. Ayo Edebiri brilha como Sydney, enfrentando o dilema entre novas oportunidades e as raízes plantadas no Bear; seu crescimento dramático é notável, capturando a vulnerabilidade e ambição de quem aposta tudo num sonho incerto. Seu episódio solo, focado em uma tarde trançando o cabelo, é um dos destaques da temporada. Ebon Moss-Bachrach, embora com presença um pouco reduzida, continua sendo o motor emocional inesperado como Richie, roubando cenas com seu jeito desastrado de demonstrar afeto. Sua amizade em desenvolvimento com Jessica (Sarah Ramos) oferece uma válvula de escape refrescante para o personagem e para a narrativa.
É a química palpável e o afeto genuíno entre Carmy, Sydney, Richie e a equipe – manifestado em risadas nervosas após serviços desastrosos, confissões sussurradas na despensa ou apoio mútuo silencioso – que transforma um dos ambientes de trabalho mais estressantes da TV em um retrato comovente de “família escolhida”. Este é o verdadeiro alicerce que sustenta o restaurante e a série, mesmo diante da ameaça constante do fracasso. Pequenos lampejos de ternura equilibram o peso do desastre iminente.
A temporada é coroada por episódios que já se firmam como clássicos instantâneos. O sétimo episódio, um monumental evento de 69 minutos centrado no casamento da ex-esposa de Richie, Tiffany (Gillian Jacobs), com Frank (Josh Hartnett), reúne praticamente todo o elenco e personagens recorrentes. É uma masterclass em construção de personagem e dinâmica de grupo, onde cada interação, mesmo as mais breves, ressoa com autenticidade. É a epítome da “beleza torta” da família Berzatto, onde personalidades intensas e específicas (como definido por Claire e Stevie/John Mulaney: “um monte de gente com personalidades muito específicas e únicas, que sentem tudo de forma muito intensa… vivem a vida com intensidade“) se unem pelo laço do afeto. O episódio solo de Sydney e o final minimalista da temporada, focado no trio principal e carregado de impacto emocional, completam esse trio de excelência.
Contudo, nem tudo atinge a perfeição. O final da temporada, embora poderoso nas atuações, é abrupto e deixa pontas soltas demais, gerando frustração especialmente após o “Continua…” insatisfatório da temporada anterior. Personagens como Tina (Liza Colón-Zayas), que brilhou e ganhou um Emmy na terceira temporada, são subutilizadas, relegadas a tramas menores (como sua luta para preparar massa mais rápido). Claire (Molly Gordon), apesar de ganhar alguma substância, ainda é retratada de forma excessivamente angelical, destoando da força da série em amar personagens apesar de suas falhas. Algumas tensões narrativas, como o cronômetro inicialmente crucial, perdem força, e a temporada como um todo, embora muito mais forte que a anterior, não atinge consistentemente o ápice da aclamada segunda temporada, operando em um patamar estimado de 70% contra os 100% anteriores.
Apesar desses percalços, a quarta temporada de “O Urso” é um triunfo da correção de rota. É um retorno reconfortante e bem-sucedido ao terreno emocional que cativou o público desde o início. Ao reafirmar seu núcleo – um retrato vibrante, intenso e profundamente humano das relações que nos sustentam nas crises – e ao polir as arestas da temporada anterior, a série reencontra sua alma e seu ritmo. Funciona como um pedido de desculpas saboroso, tanto dos criadores quanto dos personagens (Carmy pede muitas desculpas nesta temporada), e um lembrete poderoso do porquê de “O Urso” ter se tornado um fenômeno: sua capacidade única de capturar, com crueza e ternura, a beleza agridoce de persistir juntos, mesmo quando tudo parece desmoronar. O fim pode estar próximo, mas se for assim, que seja deixando esse gosto intenso na memória.