Se existe uma atriz brasileira que sabe fazer comédia de sucesso nos últimos anos, ela é Ingrid Guimarães. E isso é de se tirar o chapéu, porque fazer comédia hoje em dia é uma tarefa das mais espinhosas. Seu novo filme, Perrengue Fashion (2025), dirigido por Flávia Lacerda, segue a receita que consagrou a atriz: é daquelas comédias leves e descompromissadas, que a pessoa para na frente da TV e acaba se rendendo às situações absurdas em que Ingrid Guimarães se submete.
A trama apresenta Paula Prata (Ingrid), uma influencer de moda de cinquenta anos que, junto com seu assessor e faz-tudo Taylor (Rafael Chalub), vive em busca de likes e engajamento. Sua vida muda quando é convidada por uma marca famosa para uma campanha publicitária, mas precisa da presença de seu filho, Cadu (Filipe Bragança). O problema? O garoto largou tudo para se tornar um ativista ambiental em uma ecovila na Amazônia. Disposta a qualquer coisa, Paula pega Taylor e suas muitas malas e se aventura pela floresta para convencer o filho a participar da campanha.
Por 90 minutos, o público é conduzido por uma sequência de situações previsíveis: Paula andando de salto na floresta, carregando malas por regiões inóspitas, tirando sarro de personagens com estereótipo de ecochatos, experimentando drogas naturais em frente à fogueira e escalando picos perigosos para conseguir sinal de internet. Perrengue Fashion é a prova de que time que está ganhando não se mexe: é mais um filme de Ingrid Guimarães, com roteiro raso e piadas fáceis, que não irá decepcionar seus fãs.
No entanto, por mais que o filme tente passar uma mensagem de reflexão sobre consumismo e meio ambiente, tudo nos é mostrado de uma maneira extremamente superficial. Sabe aquele ditado do pior cego ser aquele que não quer ver? Perrengue Fashion veste a carapuça de modo impecável. Enquanto veste a skin consciente, o filme reproduz de maneira automática todos os clichês históricos possíveis sobre a região amazônica.
Para o quarteto de roteiristas, a Amazônia é aquele espaço ao Norte do Brasil onde o mapa no celular de Taylor mostra tudo verde. O descaso é total: ora o longa insinua estar no Amazonas, ora mete de trilha um carimbó de Dona Onete, símbolo da música paraense. Faz tanto sentido quanto filmar a avenida Faria Lima e colocar de trilha “Wave”, de Tom Jobim. A visão é a mesma de produções estrangeiras: um lugar exótico e homogêneo, “o meio do mato”, onde se chega de teco-teco e os moradores nativos são retratados como figurantes estereotipados.
Tal qual os portugueses quando chegaram na região séculos atrás, cabe aos personagens vindos de São Paulo, Rio de Janeiro e até da Europa salvarem os pobres coitados que aqui vivem. Cadu, o “salvador branco”, integra uma comunidade perfeita para encaixar no meme de Rita Lee, com plantação orgânica e discursos a tiracolo. Já aos nortistas, moradores da região, cabem ser figurantes. Quase nenhum personagem amazônida possui fala. Rosa Malagueta, como uma cozinheira, tem uma fala inicial encoberta pela trilha – um descaso simbólico que deixa claro o que interessa.
O exotismo também faz parte do cardápio: a convivência com um macaquinho rende uma cena clichê, e o ritual da ayahuasca é retratado da forma mais caricata possível, com instrumentistas indígenas como se fosse o sexteto do Jô Soares. Este desejo de passar uma mensagem bonita goela abaixo faz com que Perrengue Fashion consiga gerar antipatia à sua própria causa. Impossível não ficar com ranço de Cadu, um ecochato palestrinha, que está na essência de cada um dos 94 minutos, tirando a paciência de qualquer um.
Apesar de tudo, o filme tem seus momentos. Um dos bons personagens é Taylor, interpretado por Rafael Chalub, o braço direito de Paula, sempre com boas tiradas e o único a aguentar as estripulias da chefe. O ator está sempre com o timing certo das piadas, formando uma bela parceria com Ingrid. Além de fazer rir na medida certa e sem grandes novidades, o filme toca em temas como maternidade e reconexão, ajudado por belos cenários, uma bonita fotografia e uma trilha sonora repleta de músicas nacionais bem escolhidas.
A cena final, com Paula se reconectando à essência da natureza com um banho de rio no pôr do sol, simboliza bem a visão da Amazônia endossada pelo filme: um cenário deslumbrante para imagens bonitas e contato superficial com a natureza. O resto? Pouco importa.
Perrengue Fashion não engana nem decepciona. É exatamente o que promete: uma comédia para rir sem pensar muito, seguindo a fórmula de sucesso de Ingrid Guimarães. No entanto, sua tentativa desastrada de abordar temas importantes, aliada a uma visão mofada e estereotipada da Amazônia e de seu povo, transforma o que poderia ser uma mensagem válida em motivo de irritação. O filme é divertido para quem desliga o cérebro, mas um verdadeiro perrengue conceitual para quem espera um mínimo de profundidade e respeito.










