Dirigido por Gints Zilbalodis, FLOW é uma animação letã que desafia convenções narrativas ao contar a história de um gato negro e sua jornada de sobrevivência em um mundo inundado, onde humanos desapareceram, deixando apenas vestígios de sua existência. Com uma abordagem minimalista — sem diálogos, apenas sons naturais e uma trilha sonora evocativa — o filme se destaca pela ambição de sua narrativa visual, embora oscile entre o poético e o artificial em sua execução.
A escolha de utilizar o software Blender rende uma estética única, mesclando cenários luxuriantes com personagens estilizados. Os animais, embora simplificados em formas geométricas, ganham vida por meio de gestos sutis: o rabo abanado do cachorro, o olhar desconfiado do gato, a postura real da ave secretária. Enquanto as florestas e cidades submersas evocam o surrealismo de Hayao Miyazaki, há uma frieza na perfeição dos ambientes, que podem distanciar o espectador em vez de imergi-lo. Ainda assim, a paleta de cores — dos verdes vibrantes da floresta aos azuis melancólicos do dilúvio — cria um universo visualmente hipnótico, reminiscente de The Legend of Zelda: The Wind Waker.
A ausência humana é o pano de fundo mais provocativo do filme. As ruínas arquitetônicas sugerem tanto um passado recente (uma cama arrumada, esculturas do gato) quanto civilizações antigas (colunas submersas, cidades esculpidas em montanhas). Essa ambiguidade convida o público a questionar: os humanos foram vítimas de sua própria arrogância ambiental? Ou simplesmente deixaram de ser relevantes? FLOW não oferece respostas, mas critica indiretamente a incapacidade humana de cooperar, contrastando com os animais, que superam instintos territoriais para formar uma comunidade improvisada. A mensagem sobre solidão e aceitação do “outro” é clara, embora sutil — um antídoto contra narrativas didáticas sobre mudança climática.
A escolha de omitir diálogos funciona na maior parte do tempo, especialmente nas cenas de ação. No entanto, alguns momentos-chave perdem impacto emocional devido à abstração excessiva. A relação entre o gato e a ave secretária, por exemplo, poderia ser mais desenvolvida para justificar seu arco de desconfiança a cumplicidade. Curiosamente, FLOW demonstrou um poder incomum de cativar crianças, apesar de não ser um filme “infantil” tradicional. A ausência de humor fácil ou piadas não impediu que jovens espectadores se conectassem com a jornada do gato, debatendo temas complexos como perda e cooperação após a exibição. O sucesso aqui reside na universalidade da linguagem visual: as expressões animais são tão claras que até mesmo crianças pequenas compreendem conflitos e resoluções. Comparado a blockbusters como Moana 2, onde a agitação da plateia é comum, FLOW provou que histórias contemplativas podem ser tão envolventes quanto as frenéticas — desde que tratem o público com respeito intelectual.
FLOW não é imune a falhas: sua animação alterna entre o encantador e o artificial, e algumas subtramas carecem de profundidade. No entanto, é um filme corajoso, que confia na inteligência do espectador e expande as possibilidades do cinema de animação independente. Ao retratar um mundo onde humanos são irrelevantes, mas suas heranças persistem, Zilbalodis nos lembra que a natureza não precisa de nós — mas nós precisamos dela, e uns dos outros. Para famílias em busca de uma experiência cinematográfica que estimule diálogos, ou adultos ávidos por uma narrativa visualmente deslumbrante, FLOW é uma joia rara que merece ser descoberta.