Como fã de Devil May Cry desde os clássicos hack-and-slashes da Capcom, minha expectativa para o anime da Netflix era alta. A promessa de Adi Shankar (Castlevania) à frente, somada ao Studio Mir (The Legend of Korra), sugeria uma bomba de ação estilizada. O resultado? Uma série cheia de contradições: momentos brilhantes de animação convivem com CGI tosco, e uma trama que oscila entre homenagem e desconexão total com a fonte original.
A segunda metade da temporada é puro caos divertido. O episódio 6, produzido pelo Studio La Cachette (Primal), é um prequel animado à mão que conta a origem do vilão Coelho Branco (Hoon Lee) quase sem diálogos. A sequência é hipnotizante, com cores vibrantes e coreografias que lembram Samurai Champloo. O final épico, embalado por um hit dos anos 2000, acerta ao traduzir a essência camp dos jogos: exagero, guitarradas e demônios explodindo em slow motion.
Johnny Yong Bosch entrega um Dante carismático, mesclando o humor cringe das primeiras cenas com a angústia de um caçador atormentado. Kevin Conroy (Batman em TAS), em seu último papel, rouba a cena como o fanático religioso Baines, um vilão que parece saído de um pesadelo pós-9/11.
Infelizmente, a série tropeça onde Castlevania voou. Os demônios em CGI parecem assets reciclados de um jogo mobile, e as piadas de Dante nas primeiras cenas soam como Deadpool de quinta categoria. A tentativa de satirizar o imperialismo americano dos anos 2000, embora ambiciosa, é tão sutil quanto um míssil balístico: presidentes cowboys e invasões ao “Makai” (mundo demoníaco) ecoam críticas à guerra do Iraque, mas sem a profundidade de Pluto ou Devilman Crybaby.
Aqui está o maior pecado: a série quase ignora o cânone. Lady, uma das personagens mais complexas dos jogos, vira uma soldado raivosa que xinga a cada cena. A trama, inspirada no mangá Devil May Cry 3, enfia conspirações militares e caçadores de demônios genéricos, diluindo o charme gótico-punk da franquia. Por que não criar um IP novo? A resposta óbvia: o nome Devil May Cry vende, mesmo que a alma dos jogos se perca.
A animação do Studio Mir (episódios 1-5 e 7-8) é competente, mas falta o wow factor de Edgerunners ou Nocturne. Ainda assim, o episódio 6 justifica a existência da série – é uma aula de storytelling visual. Se a segunda temporada seguir essa ousadia (e reduzir o CGI), Devil May Cry pode se redimir. Até lá, fica a recomendação: assista pelos momentos altos, mas não espere a revolução dos jogos em formato anime.
Nota final: 6/10 – Estilo suficiente para fãs casuais, mas decepcionante para os devils hunters de plantão.